Bolívia no Mercosul: potencialidades e desafios
Professor do Ceisc Bruno Segatto, analisa o ingresso da Bolívia no bloco do Mercosul.
Ocorrida em Assunção do Paraguai, a 64ª Reunião de Cúpula do MERCOSUL selou o ingresso da Bolívia no bloco sul-americano no início de julho. Com isso, o Mercado Comum do Sul passa a constituir um bloco de 300 milhões de habitantes e a contar com um PIB de 2.8 trilhões de dólares. A ratificação é o final de um processo iniciado ainda em 2006, quando o então presidente Evo Morales formalizou o pedido de ingresso no bloco. Curiosamente, as portas do bloco foram abertas aos bolivianos exatamente em um momento em que os anfitriões se encontram divididos.
Em seus mais de 30 anos de existência, o MERCOSUL já passou por vários momentos críticos. No entanto, este cenário de incertezas em relação ao futuro do bloco se agravou nos últimos anos. Por um lado, o presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, vem ameaçando sair do bloco com o intuito de assinar um acordo de livre comércio em separado com a China. Por outro lado, na margem oposta do Rio da Prata, o presidente argentino Javier Milei foi eleito em 2023 com um forte discurso contra o bloco. Milei, aliás, foi o primeiro presidente da Argentina a não comparecer em uma cúpula do MERCOSUL, justo a que selou o ingresso da Bolívia.
A entrada da Bolívia foi celebrada por todos os representantes em Assunção. Para muitos analistas, a expansão do bloco o fortalece, uma vez que amplia as possibilidades de comércio e de investimentos. Porém, outros pontuam que este fortalecimento depende da colaboração entre os governos dos Estados Parte, algo que não está acontecendo nos últimos anos principalmente por causa da polarização político-ideológica que assola países como Brasil e Argentina, por exemplo.
Além das divisões ideológicas que dividem o bloco, existem também diferentes perfis de Estado com políticas econômicas divergentes. Enquanto a Argentina vinha tendo governos protecionistas, o Uruguai tem apresentado uma maior predisposição à abertura comercial. Isso sem falar nas enormes disparidades econômicas entre os países do bloco: os sócios menores, Uruguai e Paraguai, nem sempre concordam com as políticas implementadas pelos “grandes”, Brasil e Argentina.
Potencialidades: um bloco em expansão
Junto com o Chile, a Bolívia foi o primeiro país a celebrar um Acordo de Complementação Econômica com o MERCOSUL. Por meio dele, o país ganhou o statos de Estado Associado. Aliás, o fluxo de comércio da Bolívia com o MERCOSUL é superior ao que o país tem com a Comunidade Andina de Nações (CAN), bloco econômico de que o país já fazia parte, junto com Peru, Colômbia e Equador. Tanto o Tratado de Assunção, que criou o MERCOSUL, quanto o Protocolo de Cartagena, que constituiu a CAN, permite que seus Estados membros façam parte de mais de um bloco ao mesmo tempo.
Para a Bolívia, o ingresso no MERCOSUL pode possibilitar um aumento dos fluxos de comércio com as maiores economias da América do Sul, bem como o recebimento de investimentos na exploração de seus recursos naturais. O presidente Lula, inclusive, mencionou a possibilidade de a Petrobrás investir na exploração dos hidrocarburetos ou do lítio boliviano. No entanto, muitos agentes do mercado temem investir em um país onde o governo já nacionalizou os hidrocarburetos nos anos 2000.
Além do gás natural e do lítio, a Bolívia pode ser beneficiada com um aumento das exportações de petróleo, resíduos de óleo de soja, zinco e prata. Do mesmo modo, o país governado atualmente por Luis Arce pode ser favorecido por obras de infraestrutura que facilitem o escoamento da produção de Estados brasileiros distantes do oceano Atlântico. Embora o país não tenha saída ao mar, Acre, Rondônia e Mato Grosso podem fazer da Bolívia o seu corredor de passagem até os portos do oceano Pacífico, nos litorais do Peru e do Chile. Estas localidades portuárias, aliás, estão mais próximos da China do que qualquer outro porto brasileiro.
O pertencimento ao MERCOSUL pode implicar, inclusive, no fortalecimento da democracia boliviana, recentemente atacada por uma tentativa de golpe de Estado por parte das Forças Armadas do país. Ao fazer parte do grupo sul-americano, a Bolívia passa a fazer parte dos tratados e protocolos que regulamentam a solução de controvérsias e de proteção dos direitos humanos. Um destes protocolos é o de Ushuaia, que estabelece que países membros que desrespeitem as regras democráticas sejam suspensos. É o caso da Venezuela, que aderiu ao bloco em 2012 e foi suspensa em 2016.
Para o Brasil, o ingresso da Bolívia pode implicar no aumento dos fluxos de exportações para o país vizinho, principalmente de insumos industriais elaborados e bens de capital. No entanto, para poder receber os benefícios de pertencer ao bloco, a Bolívia terá que adotar a Tarifa Externa Comum (TEC) e toda a normativa do MERCOSUL pelo prazo de quatro anos.
Desafios: pouco recurso em uma região instável
Numerosos são os desafios que o ingresso da Bolívia implicará para o MERCOSUL. Embora exista um organismo dedicado a financiar obras nos Estados membros “menores”, o Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul (FOCEM) dispõe de poucos recursos diante da enorme demanda por obras de infraestrutura. Do mesmo modo, como já pontuado, o governo boliviano precisará tranquilizar investidores em relação ao seu ambiente de negócios. As nacionalizações levadas a cabo pelo ex-presidente Evo Morales em um passado recente afastam investidores do país.
Ademais, a instabilidade política é outro desafio a ser superado. A Bolívia tem um histórico de golpes de Estado e de turbulências políticas. O país já teve presidente linchado na rua e o próprio palácio presidencial incendiado. Por isso, o edifício onde despacha Luis Arce se chama Palácio Queimado. Este histórico de instabilidade afugenta investidores e dificulta negociações e obras. Neste quesito, cabe aos governos bolivianos respeitarem as regras democráticas e aos vizinhos zelar pelo seu cumprimento de forma incisiva, sem depender da ideologia do governo de turno.
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